amo de amor sem cura
plátanos
vem a tarde sobre eles
de outono
folhas ficam de outra cor
além paleta
passeios se vestem
desse encanto
letras arcanas
mãos moucas de vento
no inverno
esqueletos nus ao infinito
amo amo
amo
Antonio
Fabiano
amo de amor sem cura
plátanos
vem a tarde sobre eles
de outono
folhas ficam de outra cor
além paleta
passeios se vestem
desse encanto
letras arcanas
mãos moucas de vento
no inverno
esqueletos nus ao infinito
amo amo
amo
Antonio
Fabiano
Os meus amigos que têm mais de 30 anos,
têm menos de trinta
dinheiros.
Os que têm menos de 30
anos
não chegam a ter três
dinheiros.
Eles enfrentam a poluição,
a dor,
a fome e a esperança.
Navegam em ônibus, os
braços
erguidos, apoiados em
argolas
– pássaros que ensaiam o
voo
que os levará à rotina
onde manipulam
máquina, enchem papéis com
letras e carimbos.
Meus amigos sabem que a
vida não é fácil
embora se enjaulem em
salas calafetadas
onde o ar se condensa.
Eles enfrentam todos os
dias
o gigante do progresso
para que
as suas famílias se
alimentem,
se vistam, sorriam e falem
em civismo.
Mas meus amigos são
livres.
Não lhes prendem o ouro e
a cobiça de todos os poderes.
Eles são ricos em seus
mundos subjetivos.
E eu me visto de silêncio
para escutá-los.
São os momentos mais puros
de poesia
quando as suas verdades
explodem como rosas
ou estrelas no céu.
Daqui saúdo os meus amigos
que não tendo trinta
dinheiros
jamais me venderiam como
se fossem Judas.
E mais aos que, tendo três
dinheiros,
seus talentos sendo pobres
de espírito,
alcançarão o reino dos céus.
Ave, Myriam (1984)
CANTO DE ESPERA PARA O PRIMOGÊNITO
Artífice, a mãe se completa moldando o filho de sua argila
– em seu invento ela se multiplica, ousada, para outro espaço.
A suavidade de seu ventre improvisa ninho de rouxinóis
de inesperados trinos e notas musicais
para o filho – pássaro cego – navegar nos corredores de sangue.
Com impossíveis cristais inventa canções e embalos
e torna alegre o pesado silêncio de suas entranhas.
Onde a semente germina e a seiva cresce, lentamente com a voz
– um lírio, talvez, uma espiga de dourado trigo, desabrochará.
CANTO DE ESPERA PARA O SEGUNDO FILHO
O filho cresce de antiga semente
e se agita em meu ser com libações de pássaro.
A argila que o inventa torna-o semelhante e lúcido dentro do tempo
que o completa e o reclama, integral e ousado.
O Sangue, o Gesto, a Palavra, a Humana Contingência
e essa argamassa de Poesia – minha herança –
espreitam de seus mistérios e se integram à ousada forma.
Bem-aventurada em meu afã de criar
eu me engrandeço de humildade de não merecer a Dádiva
e glorifico e exulto o Homem que há de vir.
__________________
COELI, Myriam. “Branco & Nanquim: Obra Poética”, org.: Cristiana Coeli Goldie & Elí de Araujo. Natal: Sol Negro Edições, 2018.
o coração do mundo é um muro enorme
a palavra bate
e
se
e s f a c e l a
– coroa-de-monge
ao vento –
inútil, inútil,
passageira...
quebra-se no rochedo
a água
imóveis
quebram
-se
falésias
heras imaginárias
tolerância
direito
onde?
magnanimidade
brios
último raio
última flor
último pássaro
pausas
humanitárias
não vêm
diplomacia
falha
brilho
brilho no céu
um brilho
brilho
não de estrelas
brilho
cavalo de vento
mísseis a embalar
o sono de crianças
palestinas
Antonio
Fabiano